ANDREA ANDRADE - ESCRITORA
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Altera Bonder

28/1/2019

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Introdução
 
Com a vida mais parecendo um labirinto onde várias saídas dão nas mesmas entradas, onde o preço do leitão já não é mais o mesmo, onde o pão nosso de cada dia está quase se tornando o pão nosso de cada mês, imagine para quem precisa de umas conversas com psicólogo, no caso eu.

Seria o décimo pecado capital nas conjunturas desconjuntadas de um cotidiano ensandecido.  
Como a atual situação é conter para não enlouquecer, resolvi que para minha sanidade mental ter uma conversa comigo não sendo “migo”, mas uma terceira pessoa seria um tratamento muito eficaz.
Pelo menos é o que espero!

 
A Descoberta
 
Adentrando mata a dentro a procura da vovozinha de chapeuzinho vermelho que ao meu ver tinha uma queda por lobisomens descobri que nosso cérebro é uma alcateia perfeita para elucubrar paranoias, loucuras e sabe-se lá mais o que.

São cinco lobos dentre as partes de nossa massa cinzenta, que também poderia ser de outra cor.  Que “corzinha” mais sem cor!

Conheci Altera numa noite de lua cheia quando ouvi um uivo vindo dentro de minha própria cabeça.

Pensei, são meus lobos! E uma vozinha lá no fundo respondeu:
- E eles estão famintos!

Uma volúpia arrepiante, se é que existe, tomou conta do meu ser e do que ainda não chegou a ser. Senti meus cabelos decolarem como Apollo quando encheu o rabo de fogo subindo em direção ao espaço.

Olhei ao meu redor, mas não havia nada, somente meu ursinho com os dentes para fora que parecia caçoar de mim. Foi então que fechei os olhos.

Precisava dar uma espiadela dentro de mim, mas ao fechá-los tudo ficou escuro, lógico. Tentei um mindfulness mas para alguém como eu a atenção estava voltada não para o presente e sim para o passado recente. Minha atenção plena estava na voz que ouvira.

- Não sou Deus, mas sou onipresente! – Disse a vozinha macambuzia

Suar frio era apelido, eu suava nevando de tanto medo e geralmente quando me sinto assim, faço coco nas calças. Pronto! Para um escritor de prontidão, A Menina Cagona seria um título que eu pelo menos compraria.

- Quem é você? – Perguntei com uma voz esganiçada

Uma risada avacalhada e maquiavélica retumbou sob minha epiderme. Meus poros epiteliais ficaram tão inchados que se alguém precisasse de um ralador de queijo bastava passar o queijo em mim. Fui correndo, não correndo de modo normal.

No meu estilo, gingado que nem um bêbado cambaleia ao ver mais bebida a sua frente ou quando o bebê começa a andar com os braços abertos gungunando Gugu Dada.

Cheguei em frente ao espelho. Precisava me olhar nos olhos. Quase caí de costas ao me ver. O pânico era tanto que minhas sobrancelhas arquearam e assim ficaram. As ventas do meu nariz abriram tanto que dava para sentir a corrente de ar entre a narina e as orelhas. Os lábios estavam para o lado esquerdo, até eles estavam com o “coração na boca”. As pupilas completamente vidradas como se eu tivesse comido um pé de maconha.

- O que está acontecendo comigo?

- Largue de ser cagona e alimente seus lobos!

- Quem é você? Porque está fazendo isso comigo?

- Bonder, Altera Bonder!

 
As Missões
 
Sabe o que é ter duas pessoas habitando o mesmo corpo? Eu também não sabia até conhecer Altera.

Seu papo foi reto: Alimente seus lobos ou eles te engolirão.         

Passei a noite toda tentando pensar no que Altera me disse, mas não tinha jeito, ela sempre se intrometia.

- Lobos não dormem a noite por isso levante e anote o que irei te falar.

Levantei, acendi a luz pendurada sobre a parede onde fica minha cama, peguei o laptop e comecei a digitar.

“Teremos cinco missões, escolher, fornecer, adestrar, adequar e soltar. É o que chamo de Projeto EFAS. ”
- Dá para falar mais devagar?

- Dá para digitar mais depressa?

Tentei ser mais rápida porque era visível que ela mandava em mim. Logo eu que nunca gostei de mandos nem desmandos.

- Por que resolveu me ajudar?

- Porque estou pagando penitência! Agora pare de conversinha e continue focada no que estou falando.


Primeira Missão

É a principal e a mais “apetitosa”.  Nela você terá que escolher o “alimento” ideal para seus “lobos”. Nem me venha com a ideia de dar ração. Ração é para bichinhos. Tudo que termina em “inho” como por exemplo pintinho, porquinho, cavalinho, patinho são animais aptos a esta gororoba. Lobos gostam de um menu “a lá carte” com muita fartura.

Coloquei meu dedo indicador em riste como se Altera pudesse ver que eu gostaria de fazer uma pergunta. Me senti tão ridícula, mas tão ridícula que me deu uma crise de risos misturada com choro que acabou virando um soluço onde a cada soluçada eu digitavaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, tipo assim.

- Fale logo!

- São todos lobos adultos? E se tiver algum lobinho?

- Vou desistir de você! Que pergunta mais estúpida.

- Me desculpe! Não se altere!

- Por um acaso está tirando sarro da minha cara?

- Me expressei mal.

Altera ficou em silêncio por vários minutos. Enquanto isso eu tentava melhorar meu soluço. Tomei dez goles de água sem respirar. Não deu certo. Aumentei para vinte. A coisa piorou. Arredondei para cinquenta e no trigésimo terceiro gole já não aguentava mais. Minha barriga virou um caminhão pipa.

Pelo visto a vida que minha mãe me deu depois de um parto, chamaram de parto porque os médicos ainda não possuem um termo para definir meu nascimento, foi roubada por essa Altera com complexo de Mogli, O menino lobo. Se bem que o Mogli no caso seria eu.

A mesma gargalhada cheia de petulância e maldade ecoou não só no quarto mas na casa inteira que chegou a tremer.

- Falta é muito para você ser considerada Menina Loba!

- Como sabe o que pensei?

- Você ainda não entendeu a definição de onipresença e também não quero perder meu precioso tempo explicando o óbvio não.
           
 
Segunda Missão

Altera começou o ditado:
Fornecer é um verbo bitransitivo isso quer dizer que ele pode ser compreendido de várias maneiras.

Mas como a aspirante de Mogli tem dificuldade para entender as coisas basta saber que você precisa dar o “alimento”. Não adianta pegar a “comida” e colocar na “tigela”. Bons modos são sempre bem-vindos.

Imagine que foi convidada a uma festa e os garçons ao invés de servirem cada convidado, jogam a comida para o alto, tacam no chão, quem quiser que pegue. As pessoas se atirarão umas às outras tentando pegar as guloseimas o que acabará causando brigas. Educação é a base do progresso. Não queremos que nossos “lobos” se engalfinhem.

A parenta de Deus deu uma pausa e indagou:

- Ficou claro?

- Apesar de estar de noite ficou.

- Quer dizer que agora vai dar uma de engraçada, é isso?

- Não! Estava apenas quebrando o “gelo” entre nós.

- Se continuar com gracinhas vou ter que quebrar outra coisa.

Vinte e três segundos se passaram até Altera quebrar o mini voto de silêncio. Que personalidade difícil. Nem Freud conseguiria conter essas alterações de humor.  Vai ver que por isso que ela se chama Altera.

- Clap! Clap! Clap! A vovó Mafalda foi e deixou a neta para eu cuidar.

Fiz de conta que não ouvi porque não estou afim de discutir com divindades.

 
Terceira Missão

Escorei no braço na cadeira e deixei a cabeça cair sobre minha mão direita. Me sentia como se estivesse voltado ao pré-primário onde a tia Alice lia uma cartilha bocozinha, tipo, “Aí a ovelhinha comeu a graminha verdinha e saltitava de um lado para outro fazendo mé, mé, mé...”

 Mérddaaaaa!

Estou me sentindo um fio do rabo do cavalo que fica grudado nas pregas ancudas sem jeito de sair para fora. Eu sei que o que disse foi redundância mas acredite, minha existência é um culminado de redundâncias paradoxais.

- Está pensando na ovelhinha ainda?

Fiquei em silêncio e a aspirante a santa das bocós injuriadas iniciou a terceira missão:
Adestrar é preparar, mas não como sua tia Alice no país das ovelhinhas. Toda pessoa que usa muito “inho” e “inha” em seus diálogos não são de confiança.  Você é prova em conteste disso! Virou uma bocozinha do mesmo modinho que sua titiazinha Alice.

Fico aqui imaginando como é que foi a criação de sua mãe na sua deformação. Aposto que te chamava de apelidinhos horrendos, bonequinha, docinho, amorzinho, fofurinha...

O pior deles é bebezinha, porque bebê já traz embutido os “inhos” ridículos. Daí a pessoa achando pouco ainda “enfia” um diminutivo daqueles que dá até bicho de pé em pé de mesa.

Para que os “lobos” possam te obedecer é preciso conduzi-los de forma correta pois ao terem saciado a fome, estarão aptos a te “seguir”.

- Dúvidas?

Mexi a cabeça para esquerda e para direita em resposta.

- Quem fica muda é planta!

Altera soltou um uivo misturado com risos frenéticos que me fez fazer o credo e por estranho que possa parecer comecei a rebolar e cantar como Ney Matogrosso:

“Nunca vi rastro de cobra

Nem couro de lobisomem

Se correr o bicho pega

Se ficar o bicho come

Porque eu quero que ela some (essa parte é minha) ”

Requebrava só para direita porque sou destra corporalmente falando. A música se infestou até na minha alma. Tentava parar, mas a danada da cantiga impregnou em minha mente.

“Porque eu quero que ela some

Porque eu quero que ela some

Porque eu quero que ela some”

- Como eu queria ser o Abelardo Barbosa e mandar um bacalhau bem no meio da sua testa. – Exclamou Altera, alterada.
 

Quarta Missão

Abri a gaveta onde guardo meus remédios e peguei um miorrelaxante. Dei um jeito no meu esqueleto. Sabe quando parece que a nuca virou para frente? Que parece que estamos andando para a frente, mas na realidade damos passos para trás? Virei isso depois do requebra, requebra.

Tenho certeza que foi olho gordo daquelazinha. Mulherzinha invejosa. Percebi que ela não gosta de felicidade. Parece mais um milk-shake de jiló com gotas intensas de dipirona com calda de boldo selvagem.

- Saiba que os remédios amargos são os melhores! Por isso não ligo para suas lamúrias descabidas.

Ela não dava pausa! As pontas dos meus dedos estavam arroxeadas de tanto digitar depressa. O polegar estava até com bolha. Pensei em trocar ele pelo mindinho, mas a coisa piorou. Além de ficar mais lenta para digitar, tentava mirar uma letra para mas quem disse que acertava. Era para digitar o R e o desgramado digitava Y.

Altera percebeu a mudança dos dedos e fez questão de acelerar o ditado:
Adequar nada mais é do que saber o quanto de “sal” usar ao fazer um arroz. Pelo amor de Deus é melhor faltar “sal” do que temperar demais pois se salgar demais terá que jogar o arroz fora ou seja as missões anteriores terão que ser refeitas.

- E se por um acaso eu não gostar de colocar “temperos” no meu “arroz”?

- Terá que começar a temperar. Não existem ajustes sem medidas e vice-versa. Deu para entender?

Se respondesse que não o pau ia comer então achei sensato não discutir. Duvido que existam pessoas que não “temperam arroz” e nem por isso deixam de comer.

- Como você é tola! Eu sei o que pensou no segundo passado. Quantas vezes terei que dizer que eu sei de tudo que se passa nessa sua “cabaça” porque aí dentro não tem nada além de um vazio ridículo. Pessoas que se alimentam sem o mínimo de “tempero” não sabem a falta de uma “pimenta no rabo”.
 

Quinta Missão

Minha digitação virou um batuque enfadonho de tec, tec, tec, tecs... A divina sabedoria falava sem mesmo respirar direito. Imagine o Galvão Bueno narrando o final de uma copa com vontade de fazer o número dois. Tipo sentindo que iria cagar nas calças ele começa a atropelar as palavras achando que com isso poderá ir ao banheiro mais rápido.

Assim foi com ela:
A última missão poderia nem existir pois é uma soma eficaz das quatro anteriores, mas achei melhor incluí-la para as desavisadas como você. Se fosse outra pessoa bastava apenas tirar as “coleiras” dos “lobos”, porém, contudo, todavia, entretanto o ser que estou tentando doutrinar é desprovido de encéfalo.

Sendo assim antes de deixa-los ir é preciso averiguar se estão prontos para serem soltos.

- Como faço isso?

- Que milagre! Uma pergunta inteligente.

Altera raspou a garganta e continuou:
Solte um lobo. Veja a reação dele. Se sair feito um bode velho no cio atrás de um bando de cabra então algo deu chabu. Nem tente chamá-lo de diminutivos. Eles odeiam predicados que apequenam o poderio feroz deles.

- O que eu faço com os outros?

- Solte outro...

- E se todos saírem como um bode velho no cio?

- Vá berrando atrás deles! Faça a vez das “cabras”. Béeeeeeeeeeeeee!!! - Gargalhou Altera

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